UE transforma qualidade do solo em obrigação legal e a onda regulatória que deve chegar ao Brasil

A aprovação, em 23 de outubro, da Lei Europeia de Monitoramento e Resiliência do Solo marca um ponto de inflexão histórico: a qualidade do solo deixa oficialmente de ser apenas um tema agronômico ou produtivo e passa a ser uma exigência legal, com efeitos diretos sobre financiamento, seguros, comércio e competitividade global. A medida inaugura uma nova onda regulatória que tende a se espalhar para outros mercados — incluindo Estados Unidos, América Latina e, inevitavelmente, Brasil.

A lógica é simples e poderosa: solos degradados elevam o custo de produção, aumentam a vulnerabilidade climática e, portanto, o custo do capital. Solos saudáveis fazem exatamente o contrário. Ao padronizar indicadores, estabelecer metodologias comparáveis e exigir relatórios anuais, a Europa prepara o terreno para a precificação de riscos e para a mobilização de recursos financeiros em larga escala para a conservação e recuperação dos solos.

Segundo o artigo publicado na última semana por Danielle Denny da Sociedade Brasileira De Ciência Do Solo, o custo de adequar os sistemas produtivos é estimado entre US$ 200 e 500 bilhões por ano, mas os benefícios superam US$ 5 trilhões anuais, considerando dietas mais saudáveis, maior produtividade e redução de perdas. Assim, o avanço regulatório europeu é percebido como uma medida tanto econômica quanto ambiental.

A Lei de Monitoramento do Solo abre caminho para que o risco de degradação seja internalizado em crédito rural, seguros agrícolas, compras públicas e instrumentos financeiros. Entre as possibilidades que ganham força estão:

  • crédito rural com bônus de juros atrelado à melhoria de indicadores de solo;
  • seguros paramétricos ajustados pela classe de risco do solo;
  • CRAs e LCAs verdes vinculadas à saúde do solo auditada;
  • fundos de transição para restauração de pastagens, com desembolso por etapa comprovada.

Na América Latina e no Caribe, onde apenas 34% dos solos estão saudáveis, os impactos potenciais são ainda mais profundos, dado o peso da agropecuária na economia regional. O Decreto 11.815/2023, no Brasil, já indica uma movimentação inicial ao prever a restauração de 40 milhões de hectares em dez anos, sugerindo que uma futura lei nacional de qualidade de solo pode estar no horizonte.

Ignorar essa transição sai caro: spreads mais altos, maior sinistralidade em eventos climáticos extremos, descontos comerciais por incerteza de origem e até exclusão de mercados exigentes que começam a solicitar comprovação de boas práticas de manejo do solo.

A mensagem europeia é clara: solo saudável não é filantropia ambiental; é gestão de risco, competitividade, produtividade e segurança alimentar.
A União Europeia apenas abriu a onda regulatória — mas cabe às Américas, e especialmente ao Brasil, decidir se desejam enfrentá-la ou surfar à frente dela.

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